A alma descontente

Eis o jovem, diante dele o grande desafio de olhar para si e tentar perceber o quão descontente é sua alma. A cada confronto com o velho senhor da praça, ele percebe que seu coração é fragilizado e ainda leva marcas tristes de momentos passados. Não basta apenas atravessar a avenida para se encontrar com o velho senhor, é preciso atravessar a sua alma em busca da solução de seus traumas, medos e frustrações. É a única maneira de ser totalmente livre, totalmente desprendido, totalmente normal.

Os anos passam, as coisas acontecem e ao jovem lhe vem a sensação de já ter vivido tudo o que tinha que viver. Parece que não há nada mais que lhe cause admiração ou espanto, ou ainda, que lhe deixe com medo ou assustado. A grande verdade é que seu coração está demasiadamente machucado, de tal forma que aparentemente nada pode lhe causar dano maior. É como se fosse uma mola esgarçada que perdeu sua elasticidade. A cada aniversário ele envelhece anos e anos, parece que foi forçado a ultrapassar as fases da vida, para que seu corpo e alma pudessem suportar as situações pelas quais ele passou. Não que ele tenha sofrido mais que todos do mundo, mas sofrimento é sofrimento, não há aqueles que sofrem mais ou menos, só existem aqueles que sofrem.

Ao observar novamente, enxerga-se um novo quadro: um jovem em uma movimentada avenida, parado olhando para baixo. Em sua frente, na praça, o velho senhor em pé ao lado de seu banco, olhando para o jovem.

O desejo do jovem é ir em direção ao velho senhor.
O desejo do senhor é correr em direção ao jovem.
Há uma alma descontente, presa há um passado amargurado.

Este texto faz parte da série: O Senhor e os Pombos.Confira os textos anteriores.