sexta-feira

#002 - O distúrbio da queda


“E ao homem disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei dizendo: Não comerás dela; maldita é a terra por tua causa; em fadiga comerás dela todos os dias da tua vida.
Ela te produzirá espinhos e abrolhos; e comerás das ervas do campo.
Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás.”
Gn 3:17-19

O pecado subverte a lógica da relação humana e da relação do ecossistema. Passa-se de uma relação de harmonia e cuidado mutuo, para uma relação de domínio e posse. O homem possuí e domina a mulher e passa a viver em constante guerra contra a terra. Ele tentará plantar, mas a terra lhe resistirá e trará cansaço ao homem.

A lógica de domínio e posse não valoriza a vida, pelo contrário, faz dela um objeto. Perde-se a unidade e consciência de extensão e passa-se a ver o próximo como o outro, como um concorrente, como alguém que precisa ser dominado. Aflora-se então o sentido de salvação pessoal em meio ao caos.

O fato da terra ser amaldiçoada por conta do pecado, piora ainda mais a situação, pois estabelece um contexto de vivência nada fácil, onde o alimento não seria conseguido com a mesma facilidade no jardim. Logo, deflagra uma possibilidade de falta, de escassez, de dificuldade para se obter o elemento vital. Em situações assim, sobretudo em um ambiente pautado pela relação de domínio e posse, há uma sobreposição do egoísmo em detrimento do altruísmo. Logo, se falta alimento a prioridade é minha e não do “outro”.

Nessa relação o trabalho ganha uma outra conotação, não mais como meio para preservar a vida e a existência, mas como ferramenta de domínio e posse. Trabalha-se para ter o próprio alimento, para possuir um certo tipo de riqueza que venha a dar vantagem sobre o outro e assim, gerar um certo tipo de domínio. Se antes o trabalho tinha um aspecto comunitário, no pós queda, torna-se mais tendencioso ao aspecto individual.

O trabalho também vira sinônimo de fadiga e tarefa penosa, cuja finalidade é obter o sustento e nada mais. Perde-se qualquer perspectiva de sentido maior no trabalho e ele se transforma em um labor penoso para se conseguir o sustento. Assim, vive-se para trabalhar, trabalha-se para comer e come-se para viver. Diminuí o horizonte de transformação por parte do trabalho, foca-se apenas no sustento individual e diário, ou seja em seu caráter finito e rotineiro.

Eis o princípio das desigualdades: uma humanidade que se relaciona a partir do domínio e posse; um ambiente de escassez, dificuldade e labor para se produzir e uma vivencia onde o trabalho se reduz a um meio para se ter algo para si ou para os seus apenas.

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